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Raros foram os casos em que uma vida interrompida prematuramente teve um impacto tão grande quanto no caso de Claude Dauphin, falecido em 30 de setembro de 2015 aos 64 anos.
Em uma carreira de mais de três décadas no negócio de commodities, ele fundou a Trafigura e a fez crescer, transformando um modesto empreendimento em uma das maiores empresas comerciais do mundo, com um recorde de 22 anos de crescimento lucrativo, investimento e geração de empregos. No processo, construiu um dos motores da globalização, impulsionando o comércio físico de produtos minerais e energia vitais para o crescimento global e a integração econômica na última década.
Ele supervisionou a transformou a centenária empresa francesa de reciclagem de lixo, que pertencia à sua família, na Ecore, uma empresa europeia líder no setor. Formou uma rede inigualável de amigos, parceiros e defensores nos governos e companhias importantes com as quais fazia negócios no mundo inteiro.
O mais importante de tudo foi o impacto que teve sobre as pessoas. Colegas, parceiros comerciais, amigos e concorrentes são unânimes: o que tornava o Claude único – sempre “Claude”, raramente “Sr. Dauphin” - era a força pura de sua personalidade.
Poucos se igualavam a ele em sua energia, determinação e capacidade para o trabalho duro; seu comprometimento com a excelência em todos os seus empreendimentos; sua coragem e apetite empreendedor pelo risco; seu discernimento comercial brilhante e intuitivo; sua humanidade e generosidade de espírito; a feroz lealdade e amizade intercambiadas com aqueles ao seu redor; seu charme e o jeito brincalhão.
São poucos os exemplos recentes que podemos lembrar nos quais a personalidade de um homem deixou uma tão forte impressão em múltiplas empresas e em milhares de pessoas cujo meio de vida foi influenciado. Mais ainda, os negócios que ele ajudou a criar foram feitos para durar, o que significa que seu nome será lembrado com gratidão pelas décadas que virão. Por último e não menos importante, é seu legado pessoal em uma família unida e amada, da qual ele sempre falou com orgulho e paixão.
OS PRIMEIROS ANOS
Claude Dauphin nasceu em Houlgate, na região dos Calvados da Normandia, em 10 de junho de 1951; seu pai, Guy, era proprietário e gerente da empresa da família, a Guy Dauphin Environnement, com sede em Rocquancourt. Fez o ensino médio em Bayeux, Ecole St Laurent, onde, segundo suas próprias palavras, era um “pupilo não conformista”, saindo com 16 anos para se juntar a seu pai em seu negócio de sucata e reciclagem de lixo. Mais tarde ele se descreveria rotineiramente como o "filho de um sucateiro" e passaria a dizer a seus amigos que sua primeira tarefa tinha sido classificar peles de coelhos, um sinal de seu talento vitalício para a autodepreciação.
Em pouco tempo, no entanto, decidiu iniciar sua própria carreira comercial e se mudou para Paris a fim de trabalhar para a corretora de commodities Brandeis Goldschmidt, um membro do círculo de negociação da Bolsa de Metais de Londres, como corretor especialista em ferro ligas. Ele tinha encontrado seu métier.
No mesmo período, encontrou uma esposa. Ele conheceu Catherine, que trabalhava como recepcionista em um hospital para tratamento do câncer, em um encontro de praticantes de tiro de inverno na Normandia organizado por seus pais, que eram amigos. Eles se apaixonaram imediatamente e se casaram seis meses depois em julho de 1976 na igreja de Vaucelles, em Caen, quando Claude tinha 25 anos.
Depois de se casar, Claude pediu demissão de seu trabalho em Paris e retornou à Normandia para trabalhar de novo para seu pai. Em um ano, contudo, procurou uma forma de voltar ao mundo das commodities. Ele foi apresentado a Felix Posen, Chefe de Negociação de Metais Não Ferrosos e parceiro fundador do grupo global de commodities Marc Rich & Co., que ficou impressionado com seu dinamismo e paixão pela negociação.
Em 1977, Claude se juntou à Marc Rich como Gerente Regional para a Bolívia, trabalhando a partir de La Paz. Era o começo de um duradouro caso de amor com os países da América Latina. Claude adquiriu fluência em espanhol com sotaque francês e rapidamente começou a atrair produtores de metais bolivianos, grandes e pequenos, visando a compra da produção para a carteira de negociação da Marc Rich. Ele iria retornar regularmente à região em sua carreira de negócios subsequente.
Seu sucesso em La Paz fez com que fosse promovido, inicialmente para negociar concentrados não ferrosos em Nova Iorque, e depois para a sede da empresa em Zug, Suíça, como Chefe para Chumbo e Zinco. Em 1988, ascendeu ainda mais, juntando-se ao Comitê Executivo da Marc Rich na posição central de Chefe de Negociação de Petróleo, trabalhando a partir de Londres – um tributo à sua perspicácia para a negociação, independentemente dos materiais negociados.
Os anos seguintes foram um período turbulento para a empresa que havia sido pioneira na negociação de commodities. Após a controvérsia em torno da Marc Rich nos EUA, a companhia esteve sob rigoroso e incessante escrutínio internacional e, com o tempo, foi consumida por guerras políticas internas.
A FUNDAÇÃO DA TRAFIGURA
Em 1992, Claude já estava cansado. Com a morte de seu pai em junho daquele ano, ele pediu demissão da Marc Rich, com o pretexto de dirigir a empresa da família: A GDE se tornou parte de um grupo com ambições internacionais chamado Ecore. Mas estava claro que essa empresa não conseguiria manter sua atenção indivisa por muito tempo. Pela regularidade de suas chamadas, antigos colegas já previam que ele ansiava por reunir uma equipe e abrir um novo negócio de comércio de commodities.
Em março de 1993, nascia a Trafigura Beheer BV - o nome adquirido de uma companhia existente registrada em Amsterdã. Seus parceiros fundadores, juntamente com Claude, consistiam em uma grande massa de funcionários de peso da Marc Rich: os chefes da divisão de não ferrosos Danny Posen (filho de Felix) e Antonio Cometti, os operadores para petróleo Graham Sharp e Mark Crandall, e o Diretor Financeiro Eric de Turckheim. Era uma equipe altamente qualificada que estabeleceu uma base financeira com uma velocidade impressionante.
Claude posteriormente gostava de brincar que, de certa forma, deixar empregos seguros, recompensadores e bem apoiados na Marc Rich tinha sido a decisão mais estúpida de suas vidas. Os primeiros anos da Trafigura foram difíceis. Não havia infraestrutura nem suporte administrativo. A concorrência era intensa e muitos mercados de commodities estavam deprimidos por causa de oferta excessiva. A empresa teve de lutar por restos de negócios - transações que eram pequenas demais para interessar aos grandões. Havia muitas discussões esquentadas, com Claude em especial cada vez mais frustrado com o fato de o sucesso não vir tão rápido quanto ele tinha imaginado.
Os fundadores tinham decidido criar um negócio diversificado de negociação de petróleo e metais, com sede perto de Zug, em Lucerne. A negociação de petróleo, um negócio relativamente objetivo de se explorar, deu lucro à empresa a partir do primeiro ano. Mas a criação de uma carteira bem-sucedida de não ferrosos era outra coisa.
UMA CULTURA ÚNICA
Foi nesse período de formação que a Trafigura assumiu aquela que se tornaria uma de suas persistentes marcas registradas: uma cultura única de coleguismo, atenção aos detalhes e trabalho duro intenso. As reuniões da diretoria e discussões sobre estratégia ocorriam aos finais de semana para não atrapalhar os negócios do dia a dia. A participação era distribuída - nenhum acionista poderia ter mais de 20 por cento da companhia. Não havia políticas internas. Os funcionários se deslocavam cada um a seu tempo. Os parceiros fundadores, nas palavras de um deles, "limpavam sua própria bagunça".
Todas essas exigências levavam a marca pessoal de Claude Dauphin. Ele era o líder incontestado, mas precisava de uma equipe unida por perto e se empenhava, no mínimo, tanto quanto todos os demais. Ele tomava decisões intuitivas sobre o macroambiente e a estratégia, ao mesmo tempo assimilando constantemente os pontos de vista dos outros, obcecado com os mínimos detalhes. Nada passava despercebido por muito tempo e ele tinha um faro especialmente apurado para erros.
É uma cultura que ainda é fundamental para o negócio hoje e que provavelmente irá permanecer assim. Mesmo no último ano de Claude, ele presidia regularmente as reuniões do comitê da direção relativas a assuntos como TI aos sábados de manhã ou domingo à noite, e continuava a entrelaçar o globo bombardeando os funcionários com e-mails exigindo uma rápida resposta, não importando o dia ou a hora.
Para muitos funcionários, ele se tornou um mentor inspirador ou até mesmo a figura de um pai. Ele parecia conhecer pessoalmente todo mundo a todos na empresa - inclusive seus pontos fracos e problemas pessoais - e dava a muitos deles apelidos carinhosos. Ele mantinha uma equipe cosmopolita, multicultural e poliglota. Seu uso dos idiomas - seja do francês nativo, ou do inglês ou espanhol fluentes - era coloquial e muitas vezes hilário, quando não irreverente.
Na realidade, é impossível exagerar na influência do caráter de Claude ao moldar cada aspecto da Trafigura e seu impacto externo. Ele estabeleceu padrões extraordinariamente elevados para tudo, desde o traje social dos funcionários até o vinho servido em eventos corporativos. Ele exigia uma velocidade extraordinária de tomada de decisões e execução, e uma abordagem igualmente direta para identificar e corrigir erros.
Era por sua insistência que os funcionários evitavam qualquer tentação de se vangloriar pelo sucesso, em vez disso permanecendo focados em proporcionar um atendimento confiável ao cliente. Foi sua iconoclastia natural que o levou a desafiar convenções comerciais e a ser visceral e expressivamente intolerante no que se referia a desperdício corporativo, burocracia e conversa fiada.
Ele via a si mesmo, e com toda a razão, como alguém que veio do nada, um desafiador, alguém que insistia em fazer as coisas do jeito dele, ou como ele às vezes chamava, "do jeito Trafigura". Se ele visse uma empresa em um setor comercial relevante que não ia bem, ficava tentado em comprar ações, expulsar os diretores e fazer melhor. Ele acreditava muito em permanecer focado no negócio central da negociação, com base na vantagem comparativa: tinha orgulho das habilidades específicas envolvidas em fazer bons negócios e estava claro que elas eram completamente diferentes daquelas envolvidas, digamos, no gerenciamento de um império de mineração ou extração de petróleo.
Talvez mais extraordinária ainda tenha sido sua quase completa falta de ego. Ele era alérgico à publicidade pessoal de qualquer tipo - mesmo na revista de circulação interna. Ele preferia a interação ao vivo ou por celular a memorandos escritos. O único discurso público que ele alguma vez fez foi na cerimônia na qual recebeu o Chevalier de la Légion d’Honneur como empreendedor francês em 2001 – naturalmente sem contar nada ao mundo. Sua paixão era pelos negócios, não pela glória pessoal.
Acima de tudo, foram seu charme, carisma e comprometimento que criaram a rede de relações e parcerias comerciais que fizeram da Trafigura o que ela é hoje, seja na África, na Rússia, no Oriente Médio ou na América Latina, ou nas suítes executivas da Europa, dos EUA e da Ásia. Claude possuía habilidades altamente desenvolvidas de persuasão e negociação, aliadas a um humor contagioso e a um amor pelas coisas boas da vida. Para parceiros em potencial, muitas vezes essas qualidades, combinadas com uma persistência lendária em efetivá-las, eram irresistíveis. Ele era conhecido por todos como um homem de palavra, alguém que sempre honrava seus compromissos.
ESTRATÉGIA COMERCIAL SÓLIDA
Sua abordagem à estratégia comercial era mais intuitiva que analítica. Ele tinha uma rara combinação de uma visão "global" para os negócios com uma atenção aos mínimos detalhes. Sua capacidade de atenção era tão vasta quanto sua consciência periférica de tudo, desde geopolítica até fofoca.
Mas a estratégia foi edificada sobre princípios bem sólidos que passaram no teste do tempo. Elas incluíam diversificação, ou não colocar todos os seus ovos na mesma cesta; investimento de longo prazo em logística; e o uso inteligente e não sentimental do capital. Ele estava certo de que o status de companhia privada e a participação dos funcionários constituíam o modelo certo para uma empresa de negociação, visto que isso garantia um alinhamento perfeito entre os interesses de gerentes e proprietários, um foco prudente na gestão de riscos e a devida atenção à sustentabilidade de longo prazo da empresa.
Comecemos pela diversificação. Apesar de a negociação de petróleo ter sido o carro-chefe do negócio durante os primeiros sete ou oito anos, a Trafigura nunca abandonaria os metais não ferrosos, o lado do negócio onde três dos parceiros começaram suas carreiras, mesmo tendo essa possibilidade sido discutida de vez em quando. A decisão de seguir adiante foi devidamente justificada após a virada do milênio, com o crescimento dos mercados emergentes e a decolagem na demanda de minerais industriais. A existência de duas divisões de negociação possibilitou um negócio mais estável e diversificado, e permanece um pilar da estratégia da Trafigura.
O que também ficou evidente desde o início foi o foco de Claude no investimento de longo prazo. A Trafigura reinvestia os lucros na construção de uma rede de ativos de logística, como armazéns e instalações de armazenamento de petróleo, para dar suporte às atividades de negociação. Investimentos dirigidos em infraestrutura poderiam ajudar a empresa a obter acesso a volumes de negociação, especialmente em um momento de mudanças estruturais significativas nos fluxos comerciais internacionais.
O primeiro investimento industrial da companhia ocorreu logo no primeiro ano com a compra da Cormin, uma pequena empresa que operava instalações de armazenagem no Peru. Com a Cormin como base, a Trafigura foi capaz de desenvolver uma operação considerável de negociação de metais no Peru, se expandindo posteriormente para a Bolívia e o Chile. Depois, foram feitos investimentos oportunos em armazéns e instalações de armazenamento de petróleo na América Latina, na África e, por fim, no mundo inteiro.
CRESCIMENTO ACELERADO
Ocorreram três coisas em 2001 que colocaram Claude e a equipe em um caminho de crescimento acelerado. Primeiro, o colapso da Enron sinalizou o início de um período de maior volatilidade no mercado de commodities. Era um ambiente de preços baixos no qual mineradoras faliram, grandes produtoras de petróleo foram obrigadas a transformar seus modelos de negócios e havia negócios lucrativos para operadores na gestão de inventários e no balanceamento de oferta e procura.
Para a Trafigura, foi o momento em que seus investimentos em logística realmente começaram a compensar. O crescimento de economias emergentes desde a China até a África e a América Latina gerou novos desequilíbrios no mercado e novas oportunidades globais de negociação para aqueles com os sistemas e infraestrutura necessários.
Em segundo lugar, houve uma aceleração na demanda de energia e matérias-primas industriais conforme as economias emergentes embarcavam em uma nova rota de crescimento, lideradas pela China. Essa foi uma onda a qual a Trafigura e um pequeno número de outras casas de comércio estavam bem posicionadas para surfar nos anos seguintes. Os números contam a história: As receitas da Trafigura aumentaram de menos de US$ 10 Bi em 2001 para bem mais de 12 vezes isso uma década depois, com os lucros líquidos e o patrimônio líquido crescendo de forma igualmente rápida.
Em terceiro lugar, Claude fortaleceu sua equipe contratando uma série de indivíduos com novos conjuntos de habilidades, incluindo um especialista em finanças e derivativos chamado Jeremy Weir. Após a contratação, a companhia reestruturou sua carteira de não ferrosos separando a negociação física do uso de derivativos para proteger as transações físicas.
Por fim, a Trafigura havia encontrado a fórmula para o sucesso nos mercados de metais. Ao mesmo tempo, como se para enfatizar a sofisticação cada vez maior de sua abordagem, a empresa abriu uma subsidiária de investimento, a Galena Asset Management, proporcionando a investidores terceiros uma plataforma para investir nos mercados de derivativos de commodities junto com a Trafigura. Jeremy foi mais tarde nomeado sucessor de Claude na função de CEO da Trafigura em março de 2014.
O ritmo de crescimento estabelecido pela Trafigura nesses anos foi fenomenal, e apesar de os preços e o crescimento geral da demanda serem uma explicação parcial dos números, eles também refletiram a determinação implacável de Claude Dauphin.
UMA TRISTE SEQUÊNCIA DE ACONTECIMENTOS
Lidar com tal crescimento também representou novos desafios para uma empresa privada, de propriedade de acionistas e com uma preferência pela discrição. Assim, quando algo correu muito mal, e de forma muito pública, em uma de suas operações - no incidente de despejo de resíduos tóxicos de 2006 na Costa do Marfim - a Trafigura estava tristemente mal preparada.
Houve alarde suficiente sobre essa triste sequência de acontecimentos, na qual uma empresa subcontratada que trabalhava para a Trafigura despejou ilegalmente resíduos tóxicos de um navio cargueiro fretado, o Probo Koala, em uma série de aterros ao redor do porto de Abidjan, ocasionando queixas de residentes com sintomas similares aos da gripe e outros alegando efeitos mais nocivos. Os protestos internacionais e os processos legais resultantes continuaram por anos.
Esse foi, sem dúvida, o pior momento da carreira de Claude. Qualquer um que o conhecesse também sabia que ele era um indivíduo que se importava muito com as pessoas. A sugestão de que a Trafigura era indiretamente responsável por danos causados aos pobres residentes de uma cidade africana lhe causaram imensa dor, e ele decidiu liderar uma delegação da empresa que incluía médicos especialistas e equipamentos médicos à Costa do Marfim para ver o que podia ser feito para ajudar.
Infelizmente, nas circunstâncias políticas, a chegada da delegação da Trafigura atraiu atenção indesejada: Claude e dois colegas foram presos e colocados em prisão domiciliar, e depois transferidos para uma prisão, onde passaram os cinco meses seguintes em uma cela com travas internas para protegê-los contra possíveis ataques. Foram necessárias negociações prolongadas e o pagamento de uma soma considerável para garantir a liberação dos três.
Talvez fosse inevitável que o foco principal da mídia durante esse caso se concentrasse nas alegações de danos causados pelos resíduos tóxicos. Contudo, para a direção da empresa foi uma luta por sobrevivência, mas que foi superada. A Trafigura teve suporte continuado de toda sua ampla rede de bancos. Em fevereiro de 2007, a empresa foi reunida com seu Presidente e CEO, que durante todo o tempo corajosamente ajudou a administrar a empresa por telefone móvel a partir de sua cela.
Para Claude, as lições aprendidas como resultado do incidente do Probo Koala foram profundas. Ele percebeu que a Trafigura tinha agora uma escala e um escopo que exigiam uma abordagem melhorada para gerenciar seus impactos no meio ambiente e na sociedade. Para ajudar nessa mudança, ele deu início a uma modificação na governança da empresa, estabelecendo um Conselho Supervisor compreendendo não executivos seniores e ex-funcionários com experiência relevante, e ordenou um novo foco na saúde, na segurança, no ambiente e nas comunidades em todas as divisões de negociação e ativos.
A empresa tinha há muito tempo a capacitação para gerenciar os principais riscos comerciais e financeiros; ela precisava prestar mais atenção (e uma atenção mais sistemática) a potenciais riscos operacionais e reputacionais. Foi um tema que se tornou um motivo condutor pelo resto da carreira de Claude. Ele passou a ter um ávido interesse pessoal, por exemplo, no trabalho filantrópico da Fundação Trafigura, que apoia projetos de saúde e educação e desenvolvimento sustentável no mundo todo, mantidos por comitês de caridade estabelecidos nos principais escritórios da empresa. Em seu último dia de serviço ativo na Colômbia, ele se esforçou para inquirir quanto à iniciativa do negócio para construir relações com as comunidades locais.
INVESTIMENTO EM INFRAESTRUTURA
Depois do incidente, a Trafigura prosseguiu em sua trajetória de crescimento conforme o "superciclo" das commodities continuava. Claude estava instintivamente cético em relação a esse termo, mas ele via que o crescimento industrial e a urbanização estavam se espalhando pelo mundo e previa um provável aumento continuado na demanda. Ele continuou a investir em infraestrutura para aproveitar o mercado em constante mudança e adquiriu uma série de ativos de mineração - um dos quais, a mina MATSA na Espanha, se tornaria a mola propulsora nos últimos meses de vida de Claude para um novo investimento em mineração, uma joint venture com a companhia de investimentos Mubadala, de Abu Dhabi.
Também houve um novo foco no segmento de refino e distribuição da indústria do petróleo. O veículo escolhido para isso foi uma subsidiária chamada Puma Energy. A Trafigura tinha concluído a aquisição dessa companhia em 2000, com a intenção inicial de construir uma rede de ativos intermediários tais como instalações de armazenamento. Mas, de 2010 em diante, conforme as principais produtoras de petróleo se reestruturavam para focar suas atividades na exploração e produção e começavam a dispersar suas redes de distribuição, Claude viu a oportunidade de expansão para o segmento de refino e distribuição com a aquisição de ativos de distribuição no atacado e no varejo. Era um capítulo totalmente novo para o Grupo, que, ao final, terminaria com a Puma Energy se tornando uma companhia importante por seus próprios méritos, com acionistas externos significativos e a Trafigura – embora ainda sendo o maior investidor – ficando com pouco menos de 50 por cento.
A história da Puma exemplificou outra característica da liderança de Claude: a busca incessante por novas fontes de valor que poderiam complementar o negócio central de negociação da Trafigura, sustentada por uma abordagem disciplinada ao investimento de capital.
De seu ponto de vista, era um ato delicado de equilíbrio. Ele não queria transformar a Trafigura em um grande proprietário de ativos produtores como minas ou poços de petróleo - esses eram negócios fundamentalmente diferentes, que exigiam modelos de propriedade e estruturas financeiras distintos. Mas ele queria sim o poder de fogo para aproveitar as oportunidades de ativos no suporte à negociação, e queria fazer isso de forma que não prejudicasse a estrutura privada de acionistas da Trafigura ou que não esticasse demais sua base financeira.
A abordagem proposta por ele e seus colegas era única. Envolvia comprar e desenvolver ativos, mas também aproveitar oportunidades para vender ativos, no todo ou em parte, a outros investidores e reciclar o capital. Foco é tudo, disse ele a seus operadores. Definitivamente, comprem um ativo e façam dinheiro com ele, mas não se apaixonem. Permaneçam ligeiros, líquidos e famintos. Ao final, ficou como seu lema, conforme prosseguia o ciclo de investimento e realização de ativos.
Onde a Puma Energy liderava, a Impala Terminals seguia logo atrás, como subsidiária da Trafigura investindo em infraestrutura para dar suporte às negociações de metais e minerais, incluindo armazéns e instalações portuárias, principalmente na América Latina e na África. Não foi por acaso que Claude estava em Bogotá, na Colômbia, quando faleceu: ele estava visitando um grande projeto da Impala, que tem potencial para transformar a infraestrutura de transporte comercial do país.
A BATALHA CONTRA A DOENÇA
Tragicamente, os últimos 18 meses da vida de Claude foram crescentemente dominados pela dura batalha contra a doença - apesar de nunca, até o último dia, ela ter tido qualquer impacto considerável em seu apetite e capacidade para o trabalho. Ele foi diagnosticado em março de 2014 com câncer no pulmão e sua resposta foi, como habitual, cheia de vigor, decisiva e não sentimental. Ele convocou uma reunião do Conselho de Administração da Trafigura e propôs nomear Jeremy Weir como CEO, enquanto ele passaria a ser Presidente do Conselho enquanto estivesse recebendo tratamento.
Claude lutou contra o câncer com a mesma coragem e o mesmo espírito indomável que ele tinha em tudo que fazia. Ele estava determinado a permanecer focado em seu trabalho; inflexível, também, ao decidir fazer as coisas do seu jeito em vez de seguir as orientações médicas e descansar; sua agenda de viagens passou até mesmo a ser mais penosa do que nunca.
Mesmo com muita dor ou desconforto, ele nunca reclamou. Ao contrário: ele conservou seu sarcástico senso de humor e redobrou sua campanha contra a complacência ou a preguiça em todos os departamentos da empresa. O tempo todo, com a típica atenção aos mínimos detalhes, ele passou compartilhando o conhecimento adquirido durante o curso de uma extraordinária vida de trabalho com aqueles cuja função seria levar os negócios adiante quando ele não estivesse mais presente.
O fim, quando chegou, foi repentino, mas também curiosamente do jeito que tinha de ser. Claude morreu no último dia do ano que, quando os resultados anuais forem publicados em dezembro, deve ser revelado como um ano financeiro altamente bem-sucedido para a empresa que ele criou; em um momento de novas reviravoltas nos mercados de commodities, com as quais a Trafigura está bem posicionada para se beneficiar; e em um país que se tornou uma vitrine para sua abordagem cheia de entusiasmo ao investimento na infraestrutura que faz o mercado do comércio girar.
Estão de luto sua viúva Catherine; seus filhos Aurélie, Guillaume e Charlotte; e seus cinco jovens netos Maya, Alexander, Farah, Sebastian e Victoria, e outros membros de sua família. Sentirão muitíssimo a sua falta seus colegas, presentes e antigos, seus parceiros comerciais e sua extraordinária rede de amigos e admiradores em todo o mundo.